Ouço o físico afirmar que a imposição de resultados a curto prazo, a concentração de esforços na aplicabilidade imediata, é nefasta e redutora para a investigação científica, lembrando que a maior parte das descobertas que geraram aplicação prática, explorada ulteriormente em larga escala, foram dirigidas pela vontade instintiva de perceber, resolver um problema teimoso, explicar um facto inesperado.
O mesmo se passa na literatura, fico a pensar. Livros
orientados para o leitor, textos de leitura fácil, temas de interesse
geral, feiras, festivais, poses, entrevistas, autógrafos,
espreitadelas pelo óculo indiscreto ao elemento pessoal, o pequeno
segredo, o inconfessado fetiche e, cereja no bolo, cume no topo,
lugar cimeiro na tabela das vendas a retalho ou, mais ridículo,
nome maior das críticas a retalho, das ocorrências no gugâl
sârche, do número de visitantes no blogue, de laiques no feicebuque, etc. e tal, oco e mediático, nulo e frívolo, como se
pretendia.
E claro que é nefasto e redutor para a criação literária. E
tal como nas descobertas científicas, a maior parte dos textos
que se tornaram integrantes do pensamento e da cultura humana resultaram da procura cega de modos de exprimir o facto
bruto de ser homem, de estar vivo, nesse instante abismo em que sente, sofre, esbraceja, respira, e tenta iluminar,
enquadrar, compreender, para adquirir sobre a vida, sobre si, um mínimo domínio, um mínimo poder: o de a expor e comunicar, resolvendo-a ou não.
E como chegámos a este sinistro império pragmático? Esta redução da causa a consequência, concreta, imediata? Movidos pela pressão do lucro, pois com certeza. Ou do que a lucro
se assemelhe na sua falta, pois mais vale a semelhança do que nada. Rápido como se exige. Exponencial como se impõe. A qualquer preço, pois o que determina o preço não o tem. Com os inerentes danos colaterais, como se diz, e vidas humanas é o que se está a dizer, em nome do progresso civilizacional, do crescimento da economia que esqueceu o homem que era a sua condição e sentido, e o tornou alheio, matéria-prima que se negoceia, compra e vende, explora e elimina com os demais resíduos da suprema produção.
Mundo estúpido de gente estúpida, não encontro melhor forma de o dizer, que para aumentar a riqueza contabilística
dos balanços, empobrece a realidade, sufoca a criatividade,
asfixia o desenvolvimento ético, social e mental da humanidade que nele se enleia e debate.
Mundo estúpido de gente estúpida, repito sem gosto, porque ignora o mais óbvio: não há indivíduo fora do todo, não há felicidade separada do outro. E assim o seu individualismo acerbo, o seu egoísmo ganante, a sua voracidade sem freio, têm um adversário derrotado, esvaziado, destruído, de que nem sequer suspeitam: eles mesmos.
JORGE ROQUE
in Cão Celeste # 8
in Cão Celeste # 8
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