domingo, 19 de outubro de 2014
domingo, 12 de outubro de 2014
SÉTIMO DIA
Domingo, os lódãos
ficam mais sérios
no retrato
do jardim. Descansam
as criaturas, descansa quem
as criou, algures longe
da vista, longe do coração.
Descansa o cão extraviado
à sombra do contentor
e o ministro das finanças -
sempre, sempre tão
cansado - no seu reduto
murcho. Domingo, linha branca
que atravessa um olival:
já deste o ramo
ao padrinho? Vagares
de um mundo pequeno
ao domingo, no palheiro,
em histórias de papel velho
cor de açúcar mascavado -
eu bem não queria
morrer. Domingo nos montes
em volta, domingo na ilha
de Kirrin,
domingo em toda a parte,
de nenhures, de Deus
nenhum.
ficam mais sérios
no retrato
do jardim. Descansam
as criaturas, descansa quem
as criou, algures longe
da vista, longe do coração.
Descansa o cão extraviado
à sombra do contentor
e o ministro das finanças -
sempre, sempre tão
cansado - no seu reduto
murcho. Domingo, linha branca
que atravessa um olival:
já deste o ramo
ao padrinho? Vagares
de um mundo pequeno
ao domingo, no palheiro,
em histórias de papel velho
cor de açúcar mascavado -
eu bem não queria
morrer. Domingo nos montes
em volta, domingo na ilha
de Kirrin,
domingo em toda a parte,
de nenhures, de Deus
nenhum.
Rui Pires Cabral
in "Génesis", Suroeste — Revista de literaturas ibéricas, n.º 4,
Badajoz, 2014
terça-feira, 7 de outubro de 2014
A. M. Pires Cabral
5.
Não estou só
Recrutei companheiros para o Inverno
que não o temem como se teme um lobo,
mas apenas como é justo que se tema
o desdobrar das páginas do tempo:
com decoro. Então
aconchegados a mim, e eu a eles.
Somos uma parede.
Mas há quem esteja só
e assim deva ficar.
A esses, tudo aquilo que o nocivo
Inverno lhes trouxer
recordará o que ficou retido
nas levianas demasias do Verão.
As cartas que usarão como recurso
contra a ausência do Sol
ninguém lhas lerá, ser-lhe-ão devolvidas
com um carimbo maquinal: «Desconhecido
neste endereço». Cartas descompostas
de terem ido e voltado.
Cartas que em boa verdade
escreverão a si mesmos
sob outros nomes e moradas. Cartas
semelhantes a ardilosos bumerangues
ou a cães ensinados a voltar para nós,
trazendo na boca, molhado de saliva,
o pau que arremessámos.
- in Telhados de Vidro n.º3,
Lisboa: Averno, Novembro de 2004
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