sexta-feira, 13 de abril de 2012

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Mais do que forma do conhecimento a poesia é, acima de tudo, modo de vida – e de vida integral. O poeta existia no homem das cavernas, existirá no homem das idades atómicas: porque é parte irredutível do homem. Da exigência poética, exigência espiritual, as próprias religiões nasceram, e por favor poético a centelha do divino vive para sempre no sílex humano. Quando as mitologias desabam, na poesia é que o divino encontra refúgio; talvez mesmo o seu novo fôlego. E até na ordem social e no imediato humano, quando as Portadoras de Pão do cortejo antigo dão lugar às Portadoras de Archotes, na imaginação poética é que vai ainda incendiar-se a elevada paixão dos povos em busca de claridade.

 
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Assim, por adesão total àquilo que é, em vossa intenção o poeta mantém-se ligado à permanência e à unidade do Ser. E a sua lição é de optimismo. Para ele, uma só lei de harmonia dirige todo o mundo das coisas. Nada ali pode acontecer que exceda, por natureza, a medida humana. As piores perturbações da história não passam de ritmos sazonais num mais vasto ciclo de encadeamentos e renovações. E as Fúrias, que atravessam a cena de archote erguido, só por um momento iluminam o vastíssimo tema em curso. De forma alguma as civilizações que amadureceram morrem das angústias de um outono, limitam-se a mudar. Só a inércia é ameaçadora. Poeta é o que rompe em nossa intenção o hábito.


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E chega, ao poeta, ser a má consciência do seu tempo.


Saint-John Perse, Pássaros,
trad. Aníbal Fernandes,
col. “Cão Vagabundo”, Lisboa: Hiena, 1994

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